Hamlet e Freud _______- Hamlet e Freud
Freud, ao aproximar suas ideias da história de Édipo Rei, por meio de analogias, gerou um movimento de hermenêutica de proporções jamais vistas, levando ao público leigo, ao espectador comum, a ideia de também poder ver e pressentir além do que está à nossa vista. A história de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, escrita por Shakespeare, também chamou a atenção do Pai da Psicanálise. Todavia, não chegou a agregá-la ao seu repertório de denominações de traumas ou de fases de desenvolvimento da criança.
Freud e Sófocles
Édipo, ignorando as forças que moldaram seu destino, mata seu pai e casa-se com Jocasta, sua mãe. A trágica história de Édipo Rei moldou-se perfeitamente às ideias de Freud. Moldou-se e gerou mais força, mais simbologia, mais substância para levar adiante uma das ideias mais revolucionárias e perturbadoras do Século XX: a ideia de que a criança, sendo um menino, direciona seu primeiro impulso sexual à mãe e, por outro lado, gera seu primeiro ódio e impulso assassino ao pai; e no caso da criança ser uma menina, o direcionamento então se inverte.
A força da mitologia
Desta maneira, a mitologia toma para si duas funções muito claras e fortes. A primeira, o caráter puramente didático, uma vez que as histórias ao longo dos tempos, sempre serviram para educar e formar as pessoas. E a segunda, com a visão simbólica freudiana, a mitologia ganhou uma nova magnitude em termos de caráter de representação, de conexão com um conteúdo paralelo, nos fazendo refletir mais ainda sobre os dois conteúdos, nos permitindo ir além. Tão forte quanto a tragédia de Sófocles é o conceito de desenvolvimento da criança em seu Estágio Edipiano, criado por Freud.
Hamlet e uma possível abordagem psicanalítica
A história do personagem shakespeariano, contudo, tem um desenvolvimento com caminhos diferentes do rei da história grega. Caminho este que poderemos colocar como paralelo para um eventual caso onde, em um casamento com filhos, há a separação e, em pouco tempo, esses cônjuges assumem um novo relacionamento com outra pessoa, gerando um trauma para o filho, se essa aproximação não for bem conduzida.
Vejamos qual é esse caminho que levaria aquilo que eu denominaria Complexo de Hamlet.
O Destino inexorável de Hamlet
Hamlet, o Príncipe da Dinamarca, é a peça mais famosa de Shakespeare e a peça mais encenada no mundo todo ao longo da história. Tudo se passa no reino da Dinamarca, onde celebra-se um casamento em meio a um luto muito recente. O Rei da Dinamarca morre, um mês após, celebra-se o casamento da Rainha com o irmão do antigo Rei, tio do Príncipe Hamlet.
O movimento natural seria que o Príncipe Hamlet fosse o próximo rei, já que é herdeiro legítimo, no entanto, surpreendendo a todos, seu tio aproxima-se de sua mãe (a aproximação, na verdade, supõe-se até mesmo anterior, como uma infidelidade da rainha) e um casamento se torna realidade em pouco tempo. Hamlet não se conforma de sua mãe ser tão volúvel a ponto de, em pouco tempo, sem nem cumprir os rituais de tempo adequados ao luto, passar a compartilhar a cama com outro homem, como se o amor, a honra e o respeito pelo antigo marido simplesmente não existissem. Hamlet vai projetar toda sua raiva, contra a mulher, na figura de Ofélia. Filha de Polônio, conselheiro da família real, Ofélia é, naturalmente, aquela que seria destinada ao príncipe Hamlet, havendo um flerte entre ambos. Mas agora, com o exemplo da própria mãe, ele não acredita que uma mulher possa honrar o amor de um homem. Em uma das cenas ele chega a discutir e até mesmo a empurrá-la ao chão, aconselhando-a, com agressividade, a ir para um convento. Esse termo, convento, em inglês, tem dúbio sentido, podendo significar efetivamente o local onde as freiras se retiram para celebrar o matrimônio com Deus, mas também pode significar : prostíbulo. Dessa maneira, fica clara a raiva de Hamlet para com as mulheres.
Por outro lado, Hamlet é chamado a uma outra tarefa. Seu amor pelo pai é enorme e também a admiração do povo por ele não tem precedentes, foi um rei exemplar em todos os aspectos. Ao se encontrarem com Hamlet, os vigias da torre do castelo e seu grande amigo Horácio, falam que viram um fantasma aparecendo nas altas horas da madrugada e seu aspecto era muito similar ao antigo Rei Hamlet. Então, na primeira guarda noturna que se estabelece, Hamlet vai para a torre tentar ver esse espectro. A visão aparece, é de fato o espírito de seu pai, e este conta que foi assassinado pelo seu irmão e que, por isso, deve vingar-se, deve matar o tio e limpar o nome de seu pai.
Complexo de Hamlet
Esse termo, Complexo de Hamlet, em uma terapia, pode ser aplicado a um homem que, em sua infância, vivenciou a separação de seus pais, e sua mãe rapidamente voltou a se casar. Essa nova união, todavia, não se fez de maneira adequada, gerando um trauma. Assim, com essa situação não resolvida, ele pode crescer com dificuldades de relacionamento com outras mulheres e sempre nutrir uma raiva pelo padrasto. Ou então, pode culpar, inconscientemente, o pai biológico por abandono, podendo até mesmo ter medo de ser pai por poder vir a fazer o mesmo, abandonar seu possível futuro filho. Essa mesma vivência de separação acontecendo com uma menina, geraria a situação inversa. A menina vivenciaria um trauma de características hamletianas, ou seja, em sua fase adulta pode não ter facilidade com homens ou mesmo nem chegar a se casar, além de outros sintomas.
A Separação de Casais – movimento tão comum hoje em dia
As possibilidades de desdobramentos de trauma com a situação de separação podem ser muitas. Para tanto, a utilização do termo, Complexo de Hamlet, pode se fazer extremamente útil para o psicanalista, uma vez que a Separação de Casais é tão comum hoje em dia.